quarta-feira, 31 de julho de 2013

20º conto com a técnica do flashback



Contratempos

Semiacordada e sem ânimo para me arrumar, eu preparava o café em meu casual ritmo lento; quanto mais se prolongassem as manhãs, mais encurtavam as tardes. Letargicamente, levei a colher à xícara e misturei o açúcar, provocando leves tilintares do metal contra a porcelana, provocando um som característico...
O homem batia freneticamente a colher contra o fundo do copo ao preparar aquele exótico drinque: o barulho poderia ser ouvido pelo bar inteiro, se não fossem as acaloradas conversas entre os clientes. A neve caía aos montes nas ruas, tornando a vista das janelas do estabelecimento nada mais que um borrão branco.
Eu não estava alheia àquela cena; enquanto aquecia meus pés, congelados por andarem pelas ruas cobertas de neve sem botas adequadas, tentava capturar cada troca de palavras entre frequentadores. De vez em quando, trocava comentários com minha irmã, sobre nossas primeiras impressões de Nova Iorque, relembrando ora o taxista indiano que nos levara ao hotel, ora a sorte de termos encontrado um restaurante tão acolhedor justo quando o frio começava a perder seu brilho.  Logo fomos levados à mesa.
− Mas sem querer ser antiquada − indagou minha mãe, em baixo tom − acho que este não é um bar convencional.
−Você também notou? Pensei que fosse só eu. Tudo aqui é discreto, há muitos turistas, mas ainda assim percebi: todos os garçons são homossexuais. E há um grande número de clientes que acho que também são.
 Dito e feito. A comida estava deliciosa, e o atendimento, impecável. Ao sairmos, meu pai resolvera ir ao banheiro; voltou mal contendo o riso.
− Vocês estavam certas; existem dois banheiros, mas ambos são tanto masculinos quanto femininos.
Minha irmã reclamou sobre algo que não entendi, então percebi que ela me chamava, furiosa. Parei de mexer a colher na xícara e terminei o café, não tão rapidamente quanto ela gostaria.
Com sorriso discreto, arrumei a mesa. Ironias da vida.


Larissa Daruge  8ª série B

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